Uma obra de
arte pode ser, em si, uma doxologia” (Francis Shaeffer)
Há tempos que
a reflexão sobre música, psiquê, louvor (eu ia escrever “doxologia”, mas vou
tentar tornar esse texto mais “palatável” rs) e cultura me acompanha, mesmo
antes de estudar Etnomusicologia no mestrado. A razão disso é até meio óbvia: o
gosto pela música e pela arte. Como cristã, sempre me atraíram tais discussões.
Daí, um dia,
de vídeo em vídeo no youtube, descobri uma pérola. Dois jovens que se atreveram
a abordar um tema talvez ainda polêmico (acho que já foi mais rs). Todos os
ritmos louvam a Deus? A resposta foi bem clara: não. Quem louva a Deus são as
pessoas, rs. Faz sentido. De fato, a pergunta poderia ser “todos os ritmos nos
levam a contemplar a Cristo?” Ao invés de responder, o vídeo propõe princípios.
Sob esses princípios é que pretendo tecer meus comentários.
Antes de
adentrar o assunto, gostaria de frisar aqui uma distinção que foi levemente
sugerida no vídeo: arte da igreja e
arte para igreja (conforme coloca
Shai Linne, um rapper cristão americano). No vídeo, os rapazes tratam,
basicamente, de arte para igreja, mas penso que, por vezes, as duas podem se
entretecer... Enfim, vou falando na medida em que couberem os pensamentos.
Sobre a
didaticidade do canto... Penso que esta pode ser uma das questões mais
problemáticas do canto congregacional. Eu diria que não só pelas letras das
canções, mas nossa hinologia atual (parece até um contrassenso usar essas duas
palavras rs) é muito pouco pensada para igreja... Quando é pensada para a
igreja, nós temos composições apelativas, que partem muito mais dos anseios do
homem do que da contemplação de Deus. Falta muito preparo nos músicos.
Conhecimento da palavra, boa teologia e também da música. Esta, já uma questão
complexa, posto que a grande maioria são amadores. Ainda assim, não vejo isso
como um impeditivo de se compor e executar uma boa música. Conheço músicos que
não são tão virtuosos assim e podem executar peças belíssimas. Mas enfim... Divagações.
Sobre esta questão ainda, pensei no caso de hinos tradicionais que já se
distanciaram bastante de nosso português atual. Ok. Hinos tradicionais dizem o
que outros não dizem mais, mas... Será que todo mundo entende o que são “vagas
procelosas” quanto cantamos? Uma questão a se pensar...
Sobre a
moldura e o quadro... De fato, a música litúrgica tem a característica de
servir ao canto, à palavra, à congregação. Mas fico me perguntando sobre a
construção do altar de Salomão... Qual a finalidade daqueles leões? E o templo,
com todos aqueles ornamentos? Nem tudo tinha finalidade ou, pelo menos, a
finalidade que enxergamos de imediato. Não me considero musicista, mas,
possivelmente, por ter estudado um pouco de música, meu ouvido certamente se
atrai pela moldura por si só ou pela pintura por si só. Entendo Shaeffer quando
ele diz que Deus se interessa pela beleza. E, sim, a beleza (e aí, digo em
sentido amplo) me leva a contemplar a Deus. Vale ressaltar que isso é apenas
uma reflexão... Ainda não tenho resposta satisfatória sobre o lugar da
contemplação na liturgia protestante. Talvez o piano, o violino e o banjo da
igreja do interior de SP apontem caminhos...
Outro ponto
abordado no vídeo trata da congregacionalidade. Questão muito relevante para se
pensar. Vejo muitas canções serem executadas na igreja que não foram nem um
pouco pensada para igreja. E aí, eu sou levada a apontar o dedo mesmo: músicas
com linhas melódicas difíceis, uma tessitura musical que ora só voz feminina
canta, ora só voz masculina. De fato, os instrumentistas precisam compreender
que estão ali para a congregação cantar e ponto. O que tocar, então? Bem... Vou
citar um exemplo do que eu faço. Eu tenho um registro de voz que alcança alguns
graves e alguns agudos (mezzo). Eu executo a música e antes mesmo de ensaiar,
peço para outras pessoas com registro de voz diferentes (homens, outras
cantoras) cantarem. Se estiverem confortáveis, é bem mais provável que a igreja
esteja. Mas esse é só um exemplo. O importante é realmente pensar o que fica
mais digerível para toda a congregação. Nisso, fecho com os rapazes. Mas, antes
de encerrar o ponto, pensando pelo lado didático, penso que a música, em si,
traz aspectos que podem ser aprendidos também. Deixa eu ser mais específica:
pensemos no trabalho de compositores que fugiram à ditadura 4/4 e, em suas
igrejas, levaram lindas canções que a comunidade aprendeu e se habituou a
cantar... Pensemos no baião de Bomilcar (salmo 150) que é um baião, mas se adequa
perfeitamente ao canto comunitário. Isto só pra lançar a pergunta.
Por fim, a
resposta. Acredito que seja meio que óbvio dizer que fica difícil usar
qualquer/todos os ritmos para louvar a Deus. Por que não? Essa é uma questão
bem complexa que envolve os aspectos cognitivos e culturais da música. Deixe-me
pôr de uma forma mais simples. O rock. O que foi o rock na época e o que esse
ritmo significava? Ao pensarmos nesta questão, nos vêm à mente toda uma rede de
significados que são culturais. Disse uma vez um etnomusicólogo inglês, John
Blacking, que o artista sintetiza o discurso de seu tempo e lugar. Nada poderia
ser mais concreto. Eu não poderia fazer música tradicional japonesa porque não
a conheço, não tenho proximidade nenhuma com ela. Sendo assim, é possível que
se me apresentarem esse tipo de música e disserem que é louvor a Deus, eu
acredite ou, ainda, se ela for feita para adorar outros deuses, eu a ouça e ela
não me fira. Note que eu disse apenas “é possível”. Mas então... Antes de
entrar no funk, vou pegar mais pesado. E o ponto de macumba? Será que um
percussionista que tocava ponto e se converta vai conseguir continuar tocando
ponto? E se tocar, vai conseguir louvar a Deus com esse ritmo? Nesse ponto, eu
nem relativizo. É óbvio que não. Vários motivos, porque há toda uma rede de
associações que vai remetê-lo a significados que o distancie de Deus. Há também
a relação da música com a nossa psique. Alguns estudos que li (interessante ver
o documentário do Oliver Sacks: Tales of music and the brain) apontam caminhos
para a relação da música com nosso estado fisiológico e mental. Sabe aquela
história de acalmar as vacas para elas ficarem com a carne menos contraída para
o abate? Por aí... A música pode ser, sim, pensada para veicular e orientar
estados de espírito. Penso que todo compositor cristão deveria refletir um
pouco sobre isso.
Finalmente,
pra fechar rs. Pelas razões descritas acima, eu vou discordar dos rapazes, ao
menos, considerando o meu histórico de vida. É possível que se eu fosse
francesa e ouvisse o funk carioca e gostasse, tal estilo poderia ser usado para
louvor e adoração. Mas eu não sou rs. A batida, para mim, é imediatamente
associada com vizinhos barulhentos, egoísticas (pois colocam o som alto pra
eles) e moças do tipo “piriguetes” que pregam o oposto daquilo que acredito que
uma mulher deveria ser. Não sinto o mesmo com o rock. Porque as associações que
faço já são bem outras e, confesso, que gosto muito do som da guitarra rs.
Então é isso.
Discussão longa. Longe de terminar por aqui... Que Deus nos ensine, sim, a
contemplar o belo. Comecemos pela criação. Que toda a beleza que pudermos ver
nos digam da grandiosidade de Deus, nosso Pai.
P.s: Segue o vídeo que originou esta postagem
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